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14 de junho de 2018
O Globo - Casais têm feito contratos de namoro para proteger bens num possível término
"Aquela esperança de tudo se ajeitar. Pode esquecer. Aquela aliança, você pode empenhar. Ou derreter”. Ainda que seja difícil prever, nenhum casal está livre de uma separação turbulenta como a musicada por Chico Buarque e Francis Hime em “Trocando em miúdos”. Então, por que não se prevenir? É o que muitos companheiros têm feito ao registrar em cartório um contrato de namoro, documento que esnoba o romantismo clássico e atesta que bens e relacionamentos duradouros podem não se misturar.
Neste Dia dos Namorados, o designer de joias Alexandre Nicomedes, de 31 anos, e a estudante de arquitetura Cinthia Rodrigues, de 30, completam exatos dois anos de namoro. Eles se amam, vislumbram um casamento, mas, por ora, acham prudente deixar os pingos nos is. Fizeram, há cerca de quatro meses, um contrato para resguardar os negócios de cada um.
— Ele tem uma marca de joias, eu vou abrir um escritório de arquitetura em breve, e a gente se ajuda muito nos negócios. Às vezes, faço a divulgação dos produtos dele nas redes sociais, e ele me auxilia no meu projeto — conta Cinthia. — Então, optamos por formalizar que, apesar disso, cada um é o único dono de seu respectivo negócio.
Devidamente registrado em cartório, o contrato traz a data declarada do início do namoro e estabelece que os dois não mantêm uma união estável nem têm a intenção de se casar. Reconhece também que a relação atual não dá direito a partilha de bens, pensão alimentícia ou herança. Para Cinthia, colocar tudo isso no papel tem a ver com proteger os bens futuros.
— É uma forma realista de encarar as coisas. Afinal, a gente não sabe o que vai acontecer. Parece uma falta de romantismo, mas não é nada mais do que uma proteção — pondera.
Alexandre concorda. Apesar de ter estranhado a história no início, logo se acostumou com a ideia:
— A gente se ama, mas o contrato é uma questão de segurança. Se nos separássemos hoje, várias testemunhas diriam que vivemos uma união estável.
A advogada Soraya Salomão, especializada em Direito de Família, foi quem sugeriu o acordo ao casal. Ela conta que esse procedimento passou a ser mais procurado em meados de 2015, quando informações sobre a possibilidade começaram a circular pela internet. Segundo a advogada, o documento se mostrou atrativo por não envolver muitas burocracias.
— O ideal é que o casal compareça a um tabelionato de notas, com documentos de identificação, e o contrato seja realizado por escritura pública. No caso dos meus clientes, foi redigido e teve apenas a firma reconhecida de suas assinaturas — detalha ela.
O cancelamento, como a advogada afirma, pode ser feito por meio de um distrato. Além disso, se o casal constituir união estável ou se casar, o documento perde a sua validade jurídica. Também vale lembrar que, mesmo com o contrato de namoro, se fatos caracterizarem o relacionamento como união estável, o juiz pode entendê-lo como tal, conforme a história do casal.
Se um acordo desses soaria como um presente de gosto duvidoso para muita gente, para o casal Talita Santana, de 33 anos, e Rogerio Urbano, de 51, a lógica foi inversa. Horas antes de eles embarcarem numa viagem planejada com todo o romantismo para a Espanha, Rogerio levou a namorada ao cartório para uma surpresa: o tal contrato.
Na época, eles tinham cerca de seis meses de namoro. O documento providenciado por ele prevê que até mesmo se o relacionamento evoluir para casamento ou união estável, isso será feito com separação total de bens. Nem uma possível morte ficou de fora. Caso uma das partes “passe dessa para a melhor”, já está estabelecido que a outra não tem direito à herança.
— Tenho quatro filhos de casamentos anteriores e, como sou advogado, vejo no dia a dia do meu trabalho muitas brigas por causa dos bens. Por isso, quis deixar isso claro — conta Rogerio.
Talita, por sua vez, não se incomodou com o “presente”.
— Há muito preconceito em relação ao assunto no Brasil. As pessoas vão logo dizendo: ‘ele não quer nada com você’. Mas temos as mentes abertas, e entendi facilmente que se tratava apenas de evitar problemas futuros — pondera a administradora de empresas, que tem um filho de outro relacionamento.
Com o documento assinado e as malas prontas, o casal embarcou para a Espanha e o contrato passou a existir apenas como um papel guardado — dentro do cofre de Rogerio, diga-se de passagem. De lá para cá, já se foram três anos de namoro, e ele garante que a peteca do amor nunca caiu.
— O contrato pode até não ser algo romântico. Mas, uma vez assinado e guardado, a gente nem lembra que existe. Isso só vai acontecer se terminarmos. Enquanto isso, continuamos viajando, indo a restaurantes, oferecendo músicas e enviando flores — lista ele.
O presidente da Comissão de Direito da Família da OAB-Rio, Bernardo Garcia, lembra que esses contratos também começaram a fazer sucesso quando o Tribunal passou a aceitá-los para separações julgadas como união estável, ainda que isso não fosse formalizado. É que, como ele explica, a união estável também pode ser comprovada por meio da convivência pública e duradora e da intenção de se constituir família, que são critérios muito subjetivos.
— Com a decisão no ano passado do Supremo Tribunal Federal que equiparou, para efeito sucessório, o casamento e a união estável, os tribunais começaram a ser mais criteriosos na análise da união estável. É aí que o contrato de namoro passou a servir como uma forte prova para mostrar a intenção de cada um naquele relacionamento — explica Bernardo.
Para o psicólogo e pesquisador da comunicação humana na Escola de Ciência da Informação da UFMG, Cláudio Paixão, a busca por esses contratos é muito simbólica no cenário contemporâneo, marcado por uma volatização das relações.
— É o que chamo de “tinderlização”. Com as ferramentas voltadas ao relacionamento, apaixonar-se ficou mais fácil do que manter num namoro ou casamento — diz ele. — Por outro lado, há um medo coletivo de ser passado para trás. Numa situação em que há bens envolvidos, a pessoa começa a temer que o companheiro ou a companheira a deixe e, ao fazer isso, se aproveite dela.
Mas ter essa precaução, como ele frisa, não é necessariamente ruim nem significa que esteja faltando amor na relação.
— É uma forma de ser realista. A gente sabe que as relações podem ser efêmeras.
Fonte: O Globo
Neste Dia dos Namorados, o designer de joias Alexandre Nicomedes, de 31 anos, e a estudante de arquitetura Cinthia Rodrigues, de 30, completam exatos dois anos de namoro. Eles se amam, vislumbram um casamento, mas, por ora, acham prudente deixar os pingos nos is. Fizeram, há cerca de quatro meses, um contrato para resguardar os negócios de cada um.
— Ele tem uma marca de joias, eu vou abrir um escritório de arquitetura em breve, e a gente se ajuda muito nos negócios. Às vezes, faço a divulgação dos produtos dele nas redes sociais, e ele me auxilia no meu projeto — conta Cinthia. — Então, optamos por formalizar que, apesar disso, cada um é o único dono de seu respectivo negócio.
Devidamente registrado em cartório, o contrato traz a data declarada do início do namoro e estabelece que os dois não mantêm uma união estável nem têm a intenção de se casar. Reconhece também que a relação atual não dá direito a partilha de bens, pensão alimentícia ou herança. Para Cinthia, colocar tudo isso no papel tem a ver com proteger os bens futuros.
— É uma forma realista de encarar as coisas. Afinal, a gente não sabe o que vai acontecer. Parece uma falta de romantismo, mas não é nada mais do que uma proteção — pondera.
Alexandre concorda. Apesar de ter estranhado a história no início, logo se acostumou com a ideia:
— A gente se ama, mas o contrato é uma questão de segurança. Se nos separássemos hoje, várias testemunhas diriam que vivemos uma união estável.
A advogada Soraya Salomão, especializada em Direito de Família, foi quem sugeriu o acordo ao casal. Ela conta que esse procedimento passou a ser mais procurado em meados de 2015, quando informações sobre a possibilidade começaram a circular pela internet. Segundo a advogada, o documento se mostrou atrativo por não envolver muitas burocracias.
— O ideal é que o casal compareça a um tabelionato de notas, com documentos de identificação, e o contrato seja realizado por escritura pública. No caso dos meus clientes, foi redigido e teve apenas a firma reconhecida de suas assinaturas — detalha ela.
O cancelamento, como a advogada afirma, pode ser feito por meio de um distrato. Além disso, se o casal constituir união estável ou se casar, o documento perde a sua validade jurídica. Também vale lembrar que, mesmo com o contrato de namoro, se fatos caracterizarem o relacionamento como união estável, o juiz pode entendê-lo como tal, conforme a história do casal.
Se um acordo desses soaria como um presente de gosto duvidoso para muita gente, para o casal Talita Santana, de 33 anos, e Rogerio Urbano, de 51, a lógica foi inversa. Horas antes de eles embarcarem numa viagem planejada com todo o romantismo para a Espanha, Rogerio levou a namorada ao cartório para uma surpresa: o tal contrato.
Na época, eles tinham cerca de seis meses de namoro. O documento providenciado por ele prevê que até mesmo se o relacionamento evoluir para casamento ou união estável, isso será feito com separação total de bens. Nem uma possível morte ficou de fora. Caso uma das partes “passe dessa para a melhor”, já está estabelecido que a outra não tem direito à herança.
— Tenho quatro filhos de casamentos anteriores e, como sou advogado, vejo no dia a dia do meu trabalho muitas brigas por causa dos bens. Por isso, quis deixar isso claro — conta Rogerio.
Talita, por sua vez, não se incomodou com o “presente”.
— Há muito preconceito em relação ao assunto no Brasil. As pessoas vão logo dizendo: ‘ele não quer nada com você’. Mas temos as mentes abertas, e entendi facilmente que se tratava apenas de evitar problemas futuros — pondera a administradora de empresas, que tem um filho de outro relacionamento.
Com o documento assinado e as malas prontas, o casal embarcou para a Espanha e o contrato passou a existir apenas como um papel guardado — dentro do cofre de Rogerio, diga-se de passagem. De lá para cá, já se foram três anos de namoro, e ele garante que a peteca do amor nunca caiu.
— O contrato pode até não ser algo romântico. Mas, uma vez assinado e guardado, a gente nem lembra que existe. Isso só vai acontecer se terminarmos. Enquanto isso, continuamos viajando, indo a restaurantes, oferecendo músicas e enviando flores — lista ele.
O presidente da Comissão de Direito da Família da OAB-Rio, Bernardo Garcia, lembra que esses contratos também começaram a fazer sucesso quando o Tribunal passou a aceitá-los para separações julgadas como união estável, ainda que isso não fosse formalizado. É que, como ele explica, a união estável também pode ser comprovada por meio da convivência pública e duradora e da intenção de se constituir família, que são critérios muito subjetivos.
— Com a decisão no ano passado do Supremo Tribunal Federal que equiparou, para efeito sucessório, o casamento e a união estável, os tribunais começaram a ser mais criteriosos na análise da união estável. É aí que o contrato de namoro passou a servir como uma forte prova para mostrar a intenção de cada um naquele relacionamento — explica Bernardo.
Para o psicólogo e pesquisador da comunicação humana na Escola de Ciência da Informação da UFMG, Cláudio Paixão, a busca por esses contratos é muito simbólica no cenário contemporâneo, marcado por uma volatização das relações.
— É o que chamo de “tinderlização”. Com as ferramentas voltadas ao relacionamento, apaixonar-se ficou mais fácil do que manter num namoro ou casamento — diz ele. — Por outro lado, há um medo coletivo de ser passado para trás. Numa situação em que há bens envolvidos, a pessoa começa a temer que o companheiro ou a companheira a deixe e, ao fazer isso, se aproveite dela.
Mas ter essa precaução, como ele frisa, não é necessariamente ruim nem significa que esteja faltando amor na relação.
— É uma forma de ser realista. A gente sabe que as relações podem ser efêmeras.
Fonte: O Globo
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